terça-feira, agosto 19, 2014

A Flip além da Tenda dos Autores

E no começo a Flip era só programação principal. Ainda bem que hoje isso mudou. Não porque as mesas da programação principal não sejam merecedoras de aplausos, nesse ano tivemos mesas bem atrativas, unindo literatura, política, jornalismo, arquitetura, ciência, memória... Porém, a cada ano que passa fica mais difícil comprar ingressos, que se tornou tarefa árdua e heroica e esse ano foi o primeiro que não consegui um ingresso sequer para a tenda dos autores, o que me deixa preocupada pelos anos seguintes. Essa edição da Flip teve corte no orçamento. Culpa da inflação? Os patrocinadores preferiram apoiar a Copa e não sobrou muito para a literatura? Erro fatal! Devido à economia, não houve a Tenda do Telão, mas teve telão ao ar livre e é claro que teria que ser gratuito, haja vista o público ter ficado ao relento e debaixo do sol. Os deuses da literatura devem ter feito um acordo com São Pedro e para sorte daqueles que tiveram de se contentar com o telão, não choveu. Definitivamente, o show de abertura aberto ao público e sem cadeiras foi mais empolgante e Gal Costa não deixou que sentíssemos falta do conforto dos anos anteriores. Na Praça da Matriz, nada daqueles bonecos temáticos, apenas as variadas letras de Millôr e não houve um que não quisesse fazer uma foto na letra de seu nome.


O lado bom de não conseguir ingressos foi que a Flip cresceu para os lados e as programações paralelas já superam a principal. A Flipinha apresentou boas atrações para todas as idades. A Flip Mais, na Casa de Cultura, nos brindou com Adriana Calcanhoto (sempre maravilhosa e simpática) em Versos de Risco – do Hai-kai à poesia marginal, que no final da conversa teve a paciência magistral de autografar seu novo livro e fotografar com todos os fãs, um por um, sempre sorridente; o emocionante Em Nome do Pai, com Marcelo Rubens Paiva e Ivo Herzog, falando sobre o momento traumático que viveram na época que seus pais foram vítimas da ditadura e o comediante Reinaldo, do Casseta & Planeta regeu uma conversa sobre Millôr Fernandes, o homenageado do ano. O Instituto Moreira Salles, Casa Rocco e Casa Folha não ficaram para trás, trouxeram Ruy Castro, Guilherme Arantes e Frei Beto. O SESC ofereceu oficinas com Ninfa Parreiras (literatura infantil), Marcelino Freire (Formas Breves- essa eu fiz!) e dramaturgia. Além dessas atrações, essas casas ainda ofereceram um agrado ao público presente: petiscos, espumantes, vinho tinto, cerveja... Muitas vezes foi difícil encontrar uma brecha para entrar. A Casa do Autor Roteirista, em seu segundo ano, também inovou com oficinas de áudio-visual e roteiros, essa com Adriana Falcão, roteirista da Grande Família. Ofereceu palestras com diretores e autores da TV Globo, saraus de poesias e textos de autoria dos organizadores da Casa, Thelma Guedes e Newton Canito, lidos por artistas globais (Nanda Costa, Marcos Caruso, Ângelo Antonio, Murilo Rosa e Leona Cavalli). Estreando na Flip, o SENAC teve a brilhante ideia de oferecer o Cozinhando com Palavras, uma casa gastronômica onde chefs, como Francisco Lelis e André Bocatto e aprendizes falaram sobre a arte da cozinha, desde os menus do tempo do império até a necessidade de reaproveitamento alimentar. E tudo com direito à degustação dos pratos feitos aos nossos olhos. Que voltem em 2015.
            Por tudo isso, não ter ingressos para a Tenda dos Autores foi a melhor coisa que me aconteceu esse ano. Tive tempo para fazer a Oficina de Marcelino Freire que durou 3 dias e que acrescentou muito ao meu conhecimento e aprimoramento na escrita de contos, microcontos e minicontos. Do lado de fora, a arte, a cultura e a literatura explodiam para todos os lados e nos contagiavam com a vontade de obter mais e mais. O único momento que parei à frente do telão foi para assistir Fernanda Torres e Daniel Alarcón na mesa Romance em Dois Atos.
            Paraty, com os dias ensolarados e as noites frias estava aconchegante e deslumbrante como sempre, mas, estruturalmente, agonizava com tantas pessoas, tendo seu pico no sábado, quando milhares de pessoas invadiram as ruas e a ponte sobre o rio Perequê. Encontrar um restaurante para almoçar foi trabalhoso e um teste de paciência. As operadoras de telefonia estavam mortas, dificultando o pagamento com cartão nos estabelecimentos. Desconforto para os clientes, que tinham de pagar em dinheiro e confusão para os proprietários. Mas nada pior do que ver comerciantes aumentarem o preço das mercadorias aos nossos olhos, preços que já estavam exorbitantes. Mas isso não é culpa da Flip, trata-se do jargão da Lei de Gerson de querer levar vantagem em tudo.
            Não há o que falar mal da Flip, pelo contrário. Como já disse, a Flip extrapolou a Tenda dos Autores e fervilha do outro lado do rio, no Centro Histórico. Que continue assim nos outros anos e eu não precisarei lamentar a dificuldade de conseguir um ingresso para a programação principal.

Denise Constantino