Três fatores marcaram a
FLIP em 2016: a crise econômica (que já tinha sido percebida em 2015), as polêmicas
e os protestos. A crise econômica, que já é verbete batido há vários meses, foi
notada, principalmente, na programação principal. A Flipinha, por exemplo, não
teve direito a uma tenda para sua programação, como teve nos anos anteriores,
resumiu-se a um modesto palco ao ar livre e lonas no gramado para o público se
ajeitar. O show de abertura, que já recebeu grandes nomes da música brasileira
e que ano passado já tinha mostrado sinais de redução, esse ano resumiu-se a um
sarau, com declamações de poesias de conteúdos atuais e polêmicos. A crise,
essa ingrata, pode ter sido também motivo para o menor número de visitantes, o
que de certa forma, contribuiu para que a pequena Paraty não ficasse tão
congestionada. As polêmicas giraram em torno da falta de negros na tenda dos
autores e no exibicionismo desnecessário da escritora brasileira Juliana Frank.
Os protestos focaram na política brasileira, com constantes evocações de “Fora
Temer”, ladainha repetida durante toda a Flip 2016, que aconteceu nos dias 29
de junho a 3 de julho de 2016.
Esse ano, a curadoria continuou nas mãos de Paulo Werneck
e a autora homenageada foi a pouco conhecida Ana Cristina César, que além de
escritora, poetisa, foi tradutora e professora de inglês e se suicidou em 1983,
com apenas 31 anos. Para a felicidade dos que aproveitam mais as programações
das casas parceiras espalhadas pela bucólica Paraty, além das Casas Folha,
Instituto Moreira Sales (IMS), Literária Gastronômica (SENAC), Rocco, Casa
Cais, Casa da Liberdade, Libre e Nuvem de Livros, SESC, Clube dos Autores,
ganhamos mais duas casas: Shakespeare House e Espaço Itaú Cultural de
Literatura e também a volta de Thelma Guedes e Newton Cannito com a Nau dos
Insensatos substituindo a Casa dos Autores Roteiristas, já ausente ano passado.
A Nau ofereceu palestras com temáticas sobre a loucura, homenageando a
escritora Maura Lopes Cançado. Já a Casa Libre focou em palestras sobre
violência, em todas suas nuances e a Casa da Liberdade se ateve a bate-papos
sobre política e economia, com direito a bate-boca. As atrações foram fartas,
tornando a escolha difícil. Relato aqui um pouco do que vi e do que li e sei
que aconteceu.
No primeiro dia, 29 de junho, nem todas as casas
funcionaram. Somente a tenda dos autores, Itaú Cultural e a ótima Casa
Gastronômica SENAC com o Cozinhando com Palavras, a opção mais deliciosa,
literalmente. O Senac iniciou seus trabalhos com a história do vinho e oficina
de canapés, bem propício. Na tenda dos autores, na palestra de abertura, Ana C.
foi pouco mencionada e o show de abertura deu lugar ao Sarau da Flip, muito bem
comandado por Roberta Estrela D’Alva, figura constante em Poetry Slam, onde a
poetisa Mel Duarte agradou a todos com uma poesia manifesto contra o machismo e
o racismo. Entre uma poesia e outra, a palavra de ordem foi “Fora Temer”.
Na quinta-feira, dia 30 de junho, as casas começaram a
ferver com atividades irresistíveis e imperdíveis. Nessa hora, gostaria de
poder me multiplicar em dez. No Cozinhando com Palavras, nos serviços de
sanduíches especiais, mais vinhos, doces e tortas. No SESC, oficinas
literárias. Na Igreja da Matriz, a atriz Carol Castro interpretou a imperatriz
Leopoldina no concerto “Cartas da Imperatriz”. Na Nau dos Insensatos, Leona
Cavalli encantou com o Elogio da Loucura. Na tenda dos autores, Caco Barcellos
foi destaque em mesa que discutiu o tráfico de drogas sob as lentes do
jornalismo. O queridinho das lentes, autor de Trainspotting, Irvine Welsh
fechou a noite falando sobre sua carreira literária. Na Casa de Cultura, sob a
programação da Flipinha, Lázaro Ramos falou na Ciranda dos Autores e mais
tarde, na Praça da Matriz, participou de um bate-papo com Gregório Duvivier e
Maria Ribeiro no “Você é o que lê”. No IMS, Adriana Calcanhoto, Eucanãa Ferraz,
Alice Sant”Anna e outros leram trechos das obras da homenageada Ana C. Para
fechar a noite, nada melhor do que a boemia da Casa Folha, que ofereceu música
animada e vinho para o público afoito por diversão. E para delírio dos fãs,
igual a mim, Adriana Calcanhoto visitou a Casa e nos brindou com “Vem Embora”.
Cantou a única e foi embora, tentando se equilibrar sobre as pedras das ruas de
Paraty, sendo apoiada pelo amigo Eucanãa Ferraz.
No 3º dia, a programação principal iniciou os trabalhos
com Benjamim Moser e Kenneth Maxwell, falando sobre a cultura brasileira,
incluindo o cenário atual. Depois J. P. Cuenca falou sobre seu mais novo
projeto, o filme que fala sobre sua morte. Na Casa SESC, não pude perder o
maravilhoso Edney Silvestre em conversa no Café Literário sobre a influência do
olhar particular do autor sobre mundo em suas obras. Mais tarde, Matheus Nachtergaele
recitou textos de sua mãe falecida, que aconteceu no novo espaço do SESC em
Paraty. No mesmo horário, aconteceu o bate-papo com os vencedores do Prêmio
Sesc de Literatura. Para fechar a noite, mais animação com o grupo Mistache
& os Apaches, no palco do SESC Santa Rita. A Casa Rocco recebeu Irvine
Welsh e ofereceu-lhe uma festa concorrida, onde o número de convidados não
batia com a capacidade de público no local. Tudo regado a uma boa cachaça
paratiense. Na Nau dos Insensatos, Paulo Betti relatou sua experiência com o
pai esquizofrênico.
No quarto dia, penúltimo dia da Flip, a Casa Rocco
recebeu Frei Beto em uma concorrida palestra, onde falou sobre a literatura em
tempos de crise. Na tenda dos autores, aconteceu a mais badalada palestra da
programação principal, o encontro de Benjamin Moser, biógrafo de Clarice
Lispector e Heloisa Buarque de Hollanda, que incentivou a carreira de Ana
Cristina César. Falou-se sobre as peculiaridades e semelhanças de cada
escritora. No mesmo dia, Benjamin se dividiu entre a Casa Folha e a Casa Rocco. A Casa Folha, pela manhã,
recebeu Ruy Castro, com espaço lotado. No SENAC, o chef André Boccato comandou
a cozinha que serviu café, caldinho de feijão e ceviche, fechando a noite. No
SESC, noite de encerramento do Prêmio Off Flip, recebendo seus vencedores. A
Casa Cais recebeu a ilustríssima Pilar Del Río, musa de Saramago. A FlipMais,
na Casa de Cultura ofereceu uma conversa com Caco Barcellos para falar sobre os
10 anos do Profissão Repórter. Também super concorrido. Na Nau dos Insensatos,
Utopias e Profecias, onde se falou sobre a vibração do tempo e sobre a forma
que o povo Maia lidava com o tempo. À noite, sarau com música de raiz
afro-brasileira e declamação de poesia ao som de tambor por Leona Cavalli, que
no final, levou todo o público para o lado de fora e na Praça da Matriz, todos
dançamos e cantamos de mãos dadas em um grande círculo. A Pousada do Príncipe
aderiu ao clima da Flip e promoveu em seu restaurante, o lançamento do livro “O
Mundo é um Palco”, em homenagem aos 400 anos da morte de Shakespeare. Trata-se
de uma coletânea de textos escritos por autores que leem o famoso bardo, como:
Pedro Bial, Fernanda Montenegro, Joaquim Falcão e outros, onde os temas traçam
um paralelo entre o momento atual do Brasil às tragédias Shakesperianas, que
atravessam séculos.
No
5º e último dia, um domingo ensolarado, as Casas parceiras, em sua maioria,
encontravam-se fechadas. Ao passar em frente, sentia-se o cheiro da ressaca
literária e erudição. A Casa Gastronômica do Senac, Casa Folha e Casa de
Cultura, com FlipMais, deram o último suspiro. Na primeira, homenagem à
gastronomia de Paraty; A segunda recebeu Zeca Camargo para falar que “Paris
Nunca Acaba”. A Tenda dos Autores encerrou seus trabalhos mais cedo do que nos
anos anteriores com o tradicional “Livro de Cabeceira”.
Inegavelmente
e decididamente nada, nem a “malvada” e “intragável” crise econômica apaga o
brilho da FLIP, que a faz ser considerada o maior evento literário do país. Que
os deuses da literatura e das artes não deixem nunca que sua chama se apague.
Por: Denise Constantino
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