terça-feira, julho 31, 2012

A FLIP É 10


Vou ousar relatar a 10ª edição da FLIP, que aconteceu de 4 a 8 de julho de 2012, em Paraty, sem usar os costumeiros e muitas vezes inevitáveis clichês. Comentarei somente as mesas e eventos que vi, ouvi e participei, porque vontade de assistir a tudo não falta, o que falta é tempo para tantas atrações ótimas, mas com horários concomitantes. Com curadoria do jovem Miguel Conde, a Festa Literária Internacional de Paraty 2012 homenageou o nosso poeta maior Carlos Drummond de Andrade e foi recorrente em nossas mentes a sonoridade da poesia “No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho...” na medida em que caminhávamos pelas rústicas e bem frequentadas ruas de Paraty.

            Na conferência de abertura, Miguel Conde convidou Luis Fernando Veríssimo para sua fala, lembrando que quando o poeta foi convidado pela primeira vez para ir a Flip, ele dissera que iria até para trocar uma lâmpada. Mas, sabemos que Veríssimo faz muito mais que isso e muito bem. Assim, ele, que considera carinhosamente a plateia um “monstro”, tímido, leu sua crônica em homenagem ao 10º aniversário da Flip, fazendo graça de si próprio, que em 2008 chamou a Flip de “Clip”. E se saiu muito bem associando o “C” à conspiração, de conversas noite adentro, celebração, conhecimento, etc, sendo aplaudido efusivamente. Depois, Veríssimo sentou-se na plateia e foram ao palco, Antonio Cícero e Silviano Santiago, que leram e desvendaram algumas poesias de Drummond. Mais tarde, na tenda do telão, tivemos um pouco da cultura local, com declamação de Luis Perequeaçu e a Ciranda de Tarituba e em seguida o show de Lenine, que despejou suas canções-poesias com muita animação para uma plateia completamente lotada.
            No segundo dia, após a caminhada de Valentin – O Menino Verde pelas ruas de Paraty, tivemos “Apenas Literatura”, literalmente, com o catalão Enrique Vila-Matas e o chileno exótico Alejandro Zambra, que falaram sobre o que resta da literatura após suas funções educativas e sociológicas, lendo trechos de seus livros. À noite, a mesa “Autoritarismo, Passado e Presente” trouxe sob mediação de Zuenir Ventura, Luiz Eduardo Soares, que atuou na Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro e Fernando Gabeira, que comentaram sobre segurança e a tradição autoritária que ainda vigora no presente do Brasil. Gabeira, referindo-se ao caso Delta, assunto atual, disse que hoje o mais importante é a versão e não as evidências, e a versão pode ser qualquer uma e somos obrigados a aceitar. Citando exemplo de autoritarismo, criticou o fórum privilegiado que os políticos têm. Respondendo a uma pergunta, disse que o governo é autoritário e que os deputados, hoje, são meros carimbadores de emendas. Magnífico!
            Na sexta-feira, Antonio Carlos Secchin e Alcides Villaça falaram sobre os poemas de Drummond e declamaram “Áporo” e “O Elefante”, respectivamente, dando pequenas aulas de teoria literária e desnudando a obra de Drummond. Para finalizar, Secchin, membro da Academia Brasileira de Letras leu seu artigo publicado no O Globo, especial da Flip, intitulado “Quadrilha Genial”, sobre a relação de Drummond com Manuel Bandeira, Mário de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Ainda nesse dia, Steven Geenblatt e James Shapiro falaram sobre os questionamentos da vida e a obra de Shakespeare, o maior autor da língua inglesa. Dentre os questionamentos, falou-se sobre a autenticidade da obra do autor inglês e foram esses questionamentos que tornaram o debate intrigante e dinâmico. Mais tarde, ainda tivemos “Encontro” com Jonathan Frazen, que leu e comentou sobre seus livros e a literatura atual, citando que a literatura vive de tragédias, das misérias humanas, enfim, da infelicidade das pessoas.
            No sábado...outro programa, em Bragança Paulista, casamento do André e Karina. Perdemos um dia de Flip, mas valeu a pena.
            Domingo! Começamos bem o dia com “Vidas em Verso” com Jackie Kay, que valentemente, declarou-se gay e o irreverente Fabrício Carpinejar, que se assumiu feio e nem precisava, porque ele é muito feio mesmo, porém, brilhante. Jackie Kay leu trechos de seu romance e de suas poesias e encantou o público com sua graça, simplicidade e espontaneidade. Carpinejar também brilhou com suas tiradas espetaculares, desnudou a alma humana e citou passagens com pessoas de sua família e de sua infância, cujos alguns episódios fazem parte de seus livros. De tarde, depois de mais um desfile de Valentin – O Menino Verde, lutei contra o sono, o que valeu a pena e acabei vencedora, tudo para ouvir Eucanaã Ferraz, Carlito Azevedo (tímido? Emocionado?) e por vídeo, Armando Freitas Filho falarem sobre suas relações com Carlos Drummond de Andrade. Primeiro, Armando Freitas Filho relatou sua amizade com o poeta homenageado, contando alguns episódios de sua vida, depois, Carlito Azevedo, sem encarar a câmara, falou sobre a influência de Drummond em sua escrita e leu seu último poema, feito após 3 anos de hibernação. Já Eucanaã Ferraz deu uma verdadeira aula de análise poética, fazendo juz ao seu título de mestre de literatura.
            Além do mundo das tendas dos autores e do telão, várias outras atividades literárias nos foram oferecidas: Na Casa de Cultura, além da interessante e interativa exposição “As Faces de Drummond” e da exposição do O Globo sobre os 10 anos da Flip, foram oferecidas palestras à altura das exibidas na programação oficial. Na sexta-feira, por exemplo, a conversa entre Walcyr Carrasco e João Ubaldo Ribeiro, mediada pelo esplêndido Edney Silvestre, saudando os 100 anos do nascimento de Jorge Amado foi uma das atrações que mais me agradaram nessa Flip. João Ubaldo, sempre simpático e cheio de graça, revelou alguns episódios e segredos que presenciou sobre Jorge Amado. Walcyr Carrasco comentou sobre sua adaptação da obra Gabriela, que está sendo exibida na Rede Globo. E Edney Silvestre, como sempre, inteligente, provocador, instigador e lindo! Nesse mesmo dia, acertamos ao assistirmos o monólogo “Cartas de Maria Julieta e Carlos Drummond de Andrade” com Sura Berditchevsky, uma descrição belíssima de um amor verdadeiro entre pai e filha.
            A Off Flip ofereceu esse ano uma programação recheada e diversificada, com escritores iniciando o caminho e alguns já no meio. Falaram sobre poesia, gastronomia e até fizeram um balanço da Rio + 20. Em parceria com o Clube dos Autores, participamos da minioficina Escrita Total com Edvaldo Pereira Lima, professor de literatura da USP. O Instituto Souza Cruz abriu a Casa da Liberdade e recebeu também vários escritores e pensadores, além de oferecer vinho para os presentes. Já a Casa Folha recebeu Ruy Castro, músicos, poetas, pensadores e distribuiu café e vinho. Pena de cortaram o capuccino quente esse ano. O shake de capuccino, lançamento para essa Flip, parecia inalcançável. O SESC, como sempre, ofereceu diversas atividades para jovens, adultos e crianças e as perfomances em caixas do tipo lambe-lambe chamaram a atenção e foram muito concorridas. Mais artistas descobrem a Flip e esse ano, até os hare-krishna aventuraram-se nas calçadas oferecendo sua cultura e o conhecimento de sua espiritualidade através de livros.
            Esse ano, Paraty recebeu 25000 visitantes para a Flip. A cidade ferveu e ficou difícil encontrar um restaurante para almoçar. A maré encheu, alagou ruas e deixou alguns hóspedes sem saída de alguns hotéis 4 estrelas. Mas, a Flip é 10, sempre foi e sempre vai ser.

Por: Denise Constantino
Fotografia: Carmen Amazonas 

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