Vou ousar relatar a 10ª edição da
FLIP, que aconteceu de 4 a 8 de julho de 2012, em Paraty, sem usar os
costumeiros e muitas vezes inevitáveis clichês. Comentarei somente as mesas e
eventos que vi, ouvi e participei, porque vontade de assistir a tudo não falta,
o que falta é tempo para tantas atrações ótimas, mas com horários
concomitantes. Com curadoria do jovem Miguel Conde, a Festa Literária
Internacional de Paraty 2012 homenageou o nosso poeta maior Carlos Drummond de
Andrade e foi recorrente em nossas mentes a sonoridade da poesia “No meio do
caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho...” na medida em
que caminhávamos pelas rústicas e bem frequentadas ruas de Paraty.
Na conferência de abertura, Miguel Conde convidou Luis Fernando Veríssimo para sua fala, lembrando que quando o poeta foi convidado pela primeira vez para ir a Flip, ele dissera que iria até para trocar uma lâmpada. Mas, sabemos que Veríssimo faz muito mais que isso e muito bem. Assim, ele, que considera carinhosamente a plateia um “monstro”, tímido, leu sua crônica em homenagem ao 10º aniversário da Flip, fazendo graça de si próprio, que em 2008 chamou a Flip de “Clip”. E se saiu muito bem associando o “C” à conspiração, de conversas noite adentro, celebração, conhecimento, etc, sendo aplaudido efusivamente. Depois, Veríssimo sentou-se na plateia e foram ao palco, Antonio Cícero e Silviano Santiago, que leram e desvendaram algumas poesias de Drummond. Mais tarde, na tenda do telão, tivemos um pouco da cultura local, com declamação de Luis Perequeaçu e a Ciranda de Tarituba e em seguida o show de Lenine, que despejou suas canções-poesias com muita animação para uma plateia completamente lotada.
No
segundo dia, após a caminhada de Valentin – O Menino Verde pelas ruas de
Paraty, tivemos “Apenas Literatura”, literalmente, com o catalão Enrique
Vila-Matas e o chileno exótico Alejandro Zambra, que falaram sobre o que resta
da literatura após suas funções educativas e sociológicas, lendo trechos de
seus livros. À noite, a mesa “Autoritarismo, Passado e Presente” trouxe sob
mediação de Zuenir Ventura, Luiz Eduardo Soares, que atuou na Secretaria de
Segurança do Rio de Janeiro e Fernando Gabeira, que comentaram sobre segurança
e a tradição autoritária que ainda vigora no presente do Brasil. Gabeira,
referindo-se ao caso Delta, assunto atual, disse que hoje o mais importante é a
versão e não as evidências, e a versão pode ser qualquer uma e somos obrigados
a aceitar. Citando exemplo de autoritarismo, criticou o fórum privilegiado que
os políticos têm. Respondendo a uma pergunta, disse que o governo é autoritário
e que os deputados, hoje, são meros carimbadores de emendas. Magnífico!
Na
sexta-feira, Antonio Carlos Secchin e Alcides Villaça falaram sobre os poemas
de Drummond e declamaram “Áporo” e “O Elefante”, respectivamente, dando
pequenas aulas de teoria literária e desnudando a obra de Drummond. Para
finalizar, Secchin, membro da Academia Brasileira de Letras leu seu artigo
publicado no O Globo, especial da Flip, intitulado “Quadrilha Genial”, sobre a
relação de Drummond com Manuel Bandeira, Mário de Andrade e João Cabral de Melo
Neto. Ainda nesse dia, Steven Geenblatt e James Shapiro falaram sobre os
questionamentos da vida e a obra de Shakespeare, o maior autor da língua
inglesa. Dentre os questionamentos, falou-se sobre a autenticidade da obra do
autor inglês e foram esses questionamentos que tornaram o debate intrigante e
dinâmico. Mais tarde, ainda tivemos “Encontro” com Jonathan Frazen, que leu e
comentou sobre seus livros e a literatura atual, citando que a literatura vive
de tragédias, das misérias humanas, enfim, da infelicidade das pessoas.
No
sábado...outro programa, em Bragança Paulista, casamento do André e Karina.
Perdemos um dia de Flip, mas valeu a pena.
Domingo!
Começamos bem o dia com “Vidas em Verso” com Jackie Kay, que valentemente,
declarou-se gay e o irreverente Fabrício Carpinejar, que se assumiu feio e nem
precisava, porque ele é muito feio mesmo, porém, brilhante. Jackie Kay leu
trechos de seu romance e de suas poesias e encantou o público com sua graça,
simplicidade e espontaneidade. Carpinejar também brilhou com suas tiradas
espetaculares, desnudou a alma humana e citou passagens com pessoas de sua
família e de sua infância, cujos alguns episódios fazem parte de seus livros. De
tarde, depois de mais um desfile de Valentin – O Menino Verde, lutei contra o
sono, o que valeu a pena e acabei vencedora, tudo para ouvir Eucanaã Ferraz,
Carlito Azevedo (tímido? Emocionado?) e por vídeo, Armando Freitas Filho
falarem sobre suas relações com Carlos Drummond de Andrade. Primeiro, Armando
Freitas Filho relatou sua amizade com o poeta homenageado, contando alguns
episódios de sua vida, depois, Carlito Azevedo, sem encarar a câmara, falou
sobre a influência de Drummond em sua escrita e leu seu último poema, feito após
3 anos de hibernação. Já Eucanaã Ferraz deu uma verdadeira aula de análise
poética, fazendo juz ao seu título de mestre de literatura.
Além
do mundo das tendas dos autores e do telão, várias outras atividades literárias
nos foram oferecidas: Na Casa de Cultura, além da interessante e interativa
exposição “As Faces de Drummond” e da exposição do O Globo sobre os 10 anos da
Flip, foram oferecidas palestras à altura das exibidas na programação oficial.
Na sexta-feira, por exemplo, a conversa entre Walcyr Carrasco e João Ubaldo
Ribeiro, mediada pelo esplêndido Edney Silvestre, saudando os 100 anos do
nascimento de Jorge Amado foi uma das atrações que mais me agradaram nessa
Flip. João Ubaldo, sempre simpático e cheio de graça, revelou alguns episódios
e segredos que presenciou sobre Jorge Amado. Walcyr Carrasco comentou sobre sua
adaptação da obra Gabriela, que está sendo exibida na Rede Globo. E Edney
Silvestre, como sempre, inteligente, provocador, instigador e lindo! Nesse
mesmo dia, acertamos ao assistirmos o monólogo “Cartas de Maria Julieta e
Carlos Drummond de Andrade” com Sura Berditchevsky, uma descrição belíssima de
um amor verdadeiro entre pai e filha.
A
Off Flip ofereceu esse ano uma programação recheada e diversificada, com
escritores iniciando o caminho e alguns já no meio. Falaram sobre poesia,
gastronomia e até fizeram um balanço da Rio + 20. Em parceria com o Clube dos
Autores, participamos da minioficina Escrita Total com Edvaldo Pereira Lima,
professor de literatura da USP. O Instituto Souza Cruz abriu a Casa da
Liberdade e recebeu também vários escritores e pensadores, além de oferecer
vinho para os presentes. Já a Casa Folha recebeu Ruy Castro, músicos, poetas,
pensadores e distribuiu café e vinho. Pena de cortaram o capuccino quente esse
ano. O shake de capuccino, lançamento para essa Flip, parecia inalcançável. O
SESC, como sempre, ofereceu diversas atividades para jovens, adultos e crianças
e as perfomances em caixas do tipo lambe-lambe chamaram a atenção e foram muito
concorridas. Mais artistas descobrem a Flip e esse ano, até os hare-krishna
aventuraram-se nas calçadas oferecendo sua cultura e o conhecimento de sua
espiritualidade através de livros.
Esse
ano, Paraty recebeu 25000 visitantes para a Flip. A cidade ferveu e ficou
difícil encontrar um restaurante para almoçar. A maré encheu, alagou ruas e
deixou alguns hóspedes sem saída de alguns hotéis 4 estrelas. Mas, a Flip é 10,
sempre foi e sempre vai ser.
Por: Denise Constantino
Fotografia: Carmen Amazonas
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