Continuação...
A cor escura revelava sua ascendência negra. Entre nascimento e morte, Machado percorreu um duro caminho de quem se faz pelas próprias mãos – mulato pobre do subúrbio, ele se transformaria num dos mais respeitados intelectuais da corte, pelo que indicam os registros, Machado de Assis não freqüentou a escola, embora tivesse aprendido a ler antes dos 10 anos...
Sonhos
Machado de Assis
(O Espelho, Rio, nº 8,23.10.1859, p.10)
Se ele soubesse por que tremo às vezes
Como um junco nas bordas de um regato;
E àquele olhar de uma volúpia ardente
Fecho os meus pobres olhos de insensato.
Se ela soubesse por que a mão convulsa
Sinto ao pousar em um adeus a sua;
E porque um riso de amargura e tédio
Pousa-me no calor da face nua;
Quem sabe se piedosa, no silêncio,
Em oração, à noite, me alembrara;
E por mim em meu em êxtase querido
Uma furtiva lágrima soltara!
Quem sabe, se amorosa, pensativa,
Amadornada em lânguidos desejos,
Viria compulsar-me o livro d’alma
E minha fronte batizar de beijos...
E saberia então que de soluços
Os lábios me entreabrem de paixão!
Que de prantos resvalam de meus olhos,
Com o orvalho de minha solidão!
Veria que este fogo de meus versos
É a febre de amor de meus suspiros,
Onde me vai a flor da mocidade
Como flor que enlanguece nos retiros.
Mas... são sonhos, meu Deus! Estes tormentos
Irão comigo resvalar na cova;
E serão o crisol de meu espírito
Quando passar a uma existência nova.
Sonhos de insensatez! Delírio apenas!
Cresceu m alta rocha a flor querida;
Verme rasteiro tateando os ermos
Não beberei naquele seio – a vida!
Passarei como sombra ante os seus olhos.
Frios, sem eco – soarão meus cantos;
E aqueles olhos que eu mei, calado
Não me há de as cinzas orvalhar com prantos!
E nos silêncios de uma noite límpida
Sobre a campa que me há de enfim cobrir.
Da flor daqueles lábios – uma reza
Como um perfume não virá cair!
Devanear eterno! O amor de louco
Hei-de fechá-lo na mudez do peito...
Vem tu, apenas, lânguida saudade,
Noiva dos ermos – partilhar meu leito!
Fonte: Acervo do SPAsophia Cultura & Arte – Coleção Livros O Globo – Machado de Assis
Dispersos de Machado de Assis – Jean-Michel Massa
A cor escura revelava sua ascendência negra. Entre nascimento e morte, Machado percorreu um duro caminho de quem se faz pelas próprias mãos – mulato pobre do subúrbio, ele se transformaria num dos mais respeitados intelectuais da corte, pelo que indicam os registros, Machado de Assis não freqüentou a escola, embora tivesse aprendido a ler antes dos 10 anos...
Sonhos
Machado de Assis
(O Espelho, Rio, nº 8,23.10.1859, p.10)
Se ele soubesse por que tremo às vezes
Como um junco nas bordas de um regato;
E àquele olhar de uma volúpia ardente
Fecho os meus pobres olhos de insensato.
Se ela soubesse por que a mão convulsa
Sinto ao pousar em um adeus a sua;
E porque um riso de amargura e tédio
Pousa-me no calor da face nua;
Quem sabe se piedosa, no silêncio,
Em oração, à noite, me alembrara;
E por mim em meu em êxtase querido
Uma furtiva lágrima soltara!
Quem sabe, se amorosa, pensativa,
Amadornada em lânguidos desejos,
Viria compulsar-me o livro d’alma
E minha fronte batizar de beijos...
E saberia então que de soluços
Os lábios me entreabrem de paixão!
Que de prantos resvalam de meus olhos,
Com o orvalho de minha solidão!
Veria que este fogo de meus versos
É a febre de amor de meus suspiros,
Onde me vai a flor da mocidade
Como flor que enlanguece nos retiros.
Mas... são sonhos, meu Deus! Estes tormentos
Irão comigo resvalar na cova;
E serão o crisol de meu espírito
Quando passar a uma existência nova.
Sonhos de insensatez! Delírio apenas!
Cresceu m alta rocha a flor querida;
Verme rasteiro tateando os ermos
Não beberei naquele seio – a vida!
Passarei como sombra ante os seus olhos.
Frios, sem eco – soarão meus cantos;
E aqueles olhos que eu mei, calado
Não me há de as cinzas orvalhar com prantos!
E nos silêncios de uma noite límpida
Sobre a campa que me há de enfim cobrir.
Da flor daqueles lábios – uma reza
Como um perfume não virá cair!
Devanear eterno! O amor de louco
Hei-de fechá-lo na mudez do peito...
Vem tu, apenas, lânguida saudade,
Noiva dos ermos – partilhar meu leito!
Fonte: Acervo do SPAsophia Cultura & Arte – Coleção Livros O Globo – Machado de Assis
Dispersos de Machado de Assis – Jean-Michel Massa
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