Ano passado a culpa foi da Copa. Esse ano, a grande
culpada, vilã, foi a crise econômica e a ordem é economizar, enxugar, cortar,
fazer com menos. Assim, a 13ª edição da Festa Literária Internacional de
Paraty, que homenageou Mário de Andrade, foi realizada no período de 01 a
05/07/15 com menos dinheiro, com menos visitantes, mas não com menos pompa, e
nem deixou de ser o espetáculo de sempre.
Como já mencionei nos anos anteriores, as casas
parceiras, que se espalham pelo Centro Histórico da bucólica Paraty ajudam a
fazer com que o evento, de forma global, seja o maior sucesso. Bem, o grande desejo era estar em todos os
lugares ao mesmo tempo, mas como não foi possível, relatarei o que consegui
assistir. Para começar: “A Qualidade da Alimentação sem sal” na Casa
Gastronômica do SENAC com Filipe Baccarin. Um grande aprendizado sobre os
exageros que cometemos na cozinha. Mais tarde, no dia 1º, às 21h30m em ponto,
Luís Perequê e Dani Lasalvia animaram o público com música brasileiríssima, bem
ao estilo de Mário de Andrade.
No 2º dia, acordei cedo e fui para a fila na Casa Folha
assistir Carlos Heitor Cony com “A Arte do Romance”. Aclamado, entrou carregado
em uma cadeira de rodas e com humor, explicou que estava daquele jeito porque
sofreu uma queda no hotel por ocasião da Feira de Livros de Frankfurt. A
seguir, iniciou sua fala sobre o romance ao longo da história, dizendo que “o
que importa em um romance não é o conteúdo, que é sempre parecido, mas a forma
como é escrito”. Então, citou as similaridades de conteúdo entre as obras: Ana
Karenina, Primo Basílio e Madame Bovary. Após o almoço, circulei pela cidade
explorando os territórios literários em busca de alguma preciosidade. Encontrei
na tenda da Flipinha Luiz Ruffato e Claudio Fragata conversando sobre “Quando a
ficção e a realidade se misturam”. A boca encheu de água, querendo mais e corri
para a Casa Gastronômica onde foi apresentado o livro “Mistura Morena” com a
chef Morena Leite falando sobre as delícias da cozinha brasileira. Após a
degustação, apreciamos um delicioso sarau com a “cantriz” Gisele Tigre, que
reuniu em uma pesquisa, músicas de Mário de Andrade e músicas com temas
gastronômicos. Depois de saciada no Cozinhando com Palavras, quis mais e fui
buscar na programação principal, no telão, a mesa “A Poesia em 2015” com a
jovem poeta portuguesa Matilde Campilho e o poeta carioca Mariano Marovatto.
Depois de ouvir as sábias e empolgantes palavras da jovem Matilde, podemos
dizer que ao contrário do que muitos pensam, a poesia em 2015 continua viva e
sempre existirá. Matilde Campilho afirmou que não tem vergonha de dizer que sua
profissão é poeta e que o importante é ser feliz fazendo o que gosta. Indagada
sobre como a poesia pode ajudar as pessoas nesse momento difícil que estamos
vivendo com conflitos e crises econômicas, a poetisa respondeu que a arte, em
geral, não pode salvar o mundo, mas salva um minuto. Lindo, não? À noite,
tentei assistir Elisa Lucinda declamar poesias na Capelinha, mas a lotação já
estava esgotada. Restou-me visitar a Casa IMS, onde havia um coquetel de
lançamento da exposição fotográfica de Maureen Bisilliat. Depois, ali ao lado,
fui provar o vinho da Casa Folha e ouvir e dançar uma contagiante música,
espremida entre uma multidão de pessoas animadas. Só foram uns aperitivos
enquanto eu aguardava a última palestra da noite, “Do angu ao kaos”, com meu
querido escritor Marcelino Freire, com o qual fiz uma oficina ano passado de
contos, na Casa Sesc. Como companheiro, Marcelino teve o confuso Jorge Mautner.
No 3º dia, depois do desjejum, continuei-o na Casa
gastronômica que ofereceu aos presentes “Café com etc...” com a chef Concetta
Marcelina e Fábio Colombini Fiori e aprendemos mais sobre nosso sempre
companheiro – o café. Para degustar, um delicioso e autêntico Tiramisú. De alma
recheada, às 15h, assisti no telão “As Ilusões da mente”, onde o filósofo e
economista Eduardo Giannetti e o neurocientista Sidarta Ribeiro falaram sobre
as descobertas recentes no campo da neurociência. Inclusive, Sidarta alegou que
estamos próximos de entender o que é e como funciona a consciência. Talvez seja
isso que esteja faltando para sermos pessoas melhores. À noite, às 20h, lá
estava eu na Casa Cais, lutando com uma multidão que se acotovelavam para
encontrar um cantinho no pequeno espaço, tudo para ver a adorável Adriana
Calcanhotto ler as cartas de Mário de Andrade a Manuel Bandeira e vice-versa,
juntamente com Júlio Diniz, entrecortadas pelas canções memoráveis da diva com
seu violão.
No penúltimo dia, resolvi passar uma boa parte na Casa
Off Flip das Letras, onde ouvi uma interessante palestra com João Scortecci
sobre direitos autorais. Só cabulei para às 14h ir à Casa Gastronômica petiscar
um sarau culinário com Gisele Tigre e para saber “Para onde caminha a gastronomia
brasileira?” À noite, fiz uma rápida visita à Casa Sesc para assistir à
Premiação dos ganhadores do concurso literário Off Flip 2015 e regressei
correndo para o Cozinhando com Palavras, onde ofereceram um banquete com a
conversa “Impacto do prêmio Jabuti na criação e promoção literária” com a
mediação de Marisa Lajolo, organizadora do Fórum das Letras de Ouro Preto
recebendo Marcelino Freire, premiado pelo Jabuti na categoria contos em 2006 e
finalista em 2014 na categoria romance, e Roger Mello, escritor e ilustrador,
ganhador de nove Jabutis. Estavam presentes a diretora da Estação das Letras,
Suzana Vargas e os dirigentes da Câmara Brasileira do Livro, organizadores do
Prêmio Jabuti, que fizeram um apelo aos presentes para assinar um livro de
contestação à medida do governo de reduzir a compra de livros para escolas e
bibliotecas.
No último dia, às 10h já estava em frente ao telão para
assistir “Música, doce Música”, uma conversa esclarecedora com o escritor,
crítico e compositor Hermínio Bello de Carvalho e o crítico e escritor José
Ramos Tinhorão. A discussão acalorada começou quando Tinhorão afirmou que a
música de Tom Jobim era imitação de músicas importadas e exemplificou, citando a
semelhança da música “Samba de uma nota só” de Tom Jobim com Mister Monotony de
Judy Garland e ainda chamou a bossa nova de ritmo de goteira. Afirmou ainda que
a verdadeira e autêntica música brasileira, de raiz, tem dificuldade de ser
difundida no exterior. Hermínio discordou terminantemente e defendeu Tom Jobim
e a bossa nova e embora os dois tenham demonstrado ideias totalmente
contrárias, ambos os discursos agradaram o público.
Outras casas parceiras também se destacaram, como a Casa
Rocco que recebeu renomados autores, incluindo Frei Beto. A Casa da Liberdade,
que ofereceu exposição fotográfica e palestras não menos interessantes. A Casa
Libre também não deixou a desejar com sua programação. A Casa Sesc ofereceu uma
programação intensa, inclusive com oficinas de roteiro cinematográfico, criação
literária com Francisco Gregório Filho e uma sobre a arte da crônica. A
Flipzona marcou presença ocupando os jovens por um bom motivo: a arte e a
literatura. A Flipmais, na Casa de Cultura, esse ano foi totalmente gratuita e
além de palestras, ofereceu vídeos da série “Poesia em Movimento” da Philos, de
entrevistas com Eucanaã Ferraz, Arnaldo Antunes e Cleonice Berardinelli, todas
mediadas por Adriana Calcanhotto. Como podem perceber, não faltaram opções para
quem não conseguiu ingresso para a tenda principal e para quem não quis
assistir às mesas gratuitamente pelo telão disponibilizado pela organização.
Não poderia ser diferente dos anos anteriores, a Flip já
deixa saudade. Saudade de ver gente bonita, interessada, esclarecida, engajada;
das conversas durante o desjejum no hotel, em cada esquina, em cada café, em
cada restaurante ou bar sobre o assunto que preenche Paraty durante cinco dias
todo ano: literatura, livros, arte, letras, escritores, mágica, fantasia,
sonhos...
Até ano que vem...
Flip.
Por: Denise Constantino